Hoje acordei com gosto de luto na boca. Coloquei uma roupa preta e fui votar, antecipando o resultado da eleição. Eu nunca fui afeita à política, muito menos às militâncias... Por que então me sentir tão imensamente triste? Não parecia raiva, não parecia indignação, mas uma devastadora tristeza (que ainda por cima, por razões infames, eu escondi muito bem de todos).
Quando cheguei em casa à noite, ouvi no Fantástico, um psiquiatra falando sobre o tic-tac do relógio, o modo como deixamos de ouvi-lo dentro de algum tempo... Apareceram as imagens do mendigo na Urca morto com as pessoas tirando fotos ao lado, indiferentes e às gargalhadas...
Hoje foi efetivamente um dia muito triste para mim. Há 7 anos meus pais morriam. Tenho a teoria de que quando não se tem filhos tende-se a se apegar ao passado.
Me lembro do meu pai rodando a cidade de madrugada a procura de um veterinário para salvar um gatinho de rua; me lembro da minha mãe me fazendo parar o carro no meio de uma tempestade, na Avenida Presidente Vargas, porque tinha visto a outra mãe com duas crianças no colo tentando atravessar a rua e ela me fez colocar todo mundo dentro do carro pra levar para um lugar mais seguro... Me lembro do meu pai impedindo que algumas “madames” esposas de alguns “importantes”, passassem à frente dos trabalhadores de campo para receber as frutas; me lembro dele falando em honra e lendo poemas patrióticos (mesmo que a referida pátria não fosse o Brasil); me lembro de levantar onde quer que eu estivesse se ouvisse o Hino Nacional; do hastear da bandeira quando chegávamos à escola... Nos levantávamos por respeito ao professor, quando ele entrava na sala...
Me lembro de histórias de amigos que contavam entre risos, como fugiram da polícia porque estavam saindo no bloco de carnaval na quarta-feira de cinzas... Um tempo onde a polícia podia se dar a esse luxo? Perseguir garotos que brincavam carnaval na 4ª feira de cinzas???
Me lembro da amiga, na cidade, há alguns poucos anos, olhando um mendigo sentado no meio-fio e me dizendo com horror que qualquer dia desses a gente estaria passando por cima deles... Com horror... a gente não faz isso hoje? De certa forma?
São muitas histórias.
Era uma vez, num tempo bem distante havia uma menina que se achava uma princesa tantas eram as histórias de amor, honra, solidariedade e respeito à vida que lhe contavam pais e avós amorosos.
Não é à toa que hoje eu me sinta tão devastada afinal...
Depois de ver tantos escândalos e notícias de corrupção, saber que a maior parte do país em que vivo (incluída nela amigos queridos e inteligentes) é indiferente aos fatos... os fatos são como o cadáver do mendigo morto ou como o tic-tac do relógio: não importam...
Teria sido fácil, se o resultado não tivesse sido tão fabuloso... Se as denúncias pululam, eu não devo ao menos contribuir para que a sua vitória seja estreita??? Ou não? Ou tudo é realmente banal afinal e eu e meu luto é que nos destacamos de modo ridículo e piegas na cena? É melhor (mesmo que seja infame...) sair de mansinho, não falar nada pra ninguém, preferencialmente, fingir-me eu também de indiferente. Engolir o choro, a vergonha, o lamento, a enorme saudade... Controlar a ânsia de vômito que vem agora quando acordes do hino desse país são tocados num anuncio pós-eleitoral na tv.
Engolir mais ainda: a vergonha da minha responsabilidade diante de tudo que não sei e que não sei fazer e o embaraço por usar palavras como honra, princípio, indignação... Melhor calar a boca logo, qualquer hora isso vai virar subversão...
Dentro da minha teoria, é mais que natural que eu me sinta só. O resultado da eleição de hoje colocou há dez mil anos luz de distância a ética enunciada por meus pais.. fez dela sim, uma historinha de carochinha, uma história pra boi dormir.
Bem, agora, além de órfã de pais, não tem jeito... eu estou me sentindo órfã de país e sobretudo uma patética guardiã falida (derrotada com esmagadores quase 70% do oponente) de uma moral decadente pra não dizer extinta. E olha que nem no outro candidato eu confiava! :O)
Nenhum comentário:
Postar um comentário