domingo, 30 de agosto de 2020

Pequena História de um Amor Virtual



Para Uther,



Desde o vento do Sudeste que abraça o Minuano,
Ateia fátuo fogo às fronteiras e revoada a pássaros que querem querem... gaivotas? 
Desde a lagoa que aqui sustenta lua, cidade, Cristo e montanha 
Desde aqui, 
Persiste, em lombo de bagual sem brida e acossado, 
Meu virtual e impecável amor por ti. 
18/02/1998


Pequena História de um Amor Virtual

 To: <Marvin>

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                                        From:  <Mariah>

                                                                                                                       ;-)

Com minha eterna e Leal dívida à Beth

(Só o Diabo sabe como poderei pagar!!!!)

;-)))

 “Vem, por favor, que encharco lençóis...

Quem te ensinou meu rumo, se sequer te conheço?

Cheiro do cerco da abelha em flor?

 

Vem; porque sei exato teu toque!

Quem te disse a linguagem que careço, se de ti, nunca ouvi palavra?!

 

Vem do suor fora de galope, o cheiro teu?

Te pressinto...

À flor da pele, te pressinto...

 

E me arrepia, o toque, a alma!”

C.A

 Índice

De um mundo ao outro   *>-----  3

Máscaras e malabarismos – Rasgando fantasias...   *>-----  4

Sábias decisões   *>-----  5

Riachuelo – Distrito de Coxilha do Fogo – RS, que não consta do mapa-múndi  *>-----  6

FIM de madrugada   *>----- 7

 

De um mundo ao outro 

         Há algum tempo frequentavam o meio virtual. Vinham sendo assíduos. Quinzenalmente, depois toda semana até que diariamente. 

         Da linguagem escrita e assim, órfã, iam descobrindo o poder de fogo.  Invisíveis fios urdindo rede sem volta. Letras e letras numa bizarra escultura cibernética.

         Palavras vasculhadas esgotando madrugada, risos, gestos de afeto e uma vontade contaminando sem aviso.

         A fala era decodificada. O timing do que era dito, outro. A qualquer hora, trabalhando sobre um teclado e dentro de bits que viajavam pelo espaço sideral, era possível voltar atrás, apagar tudo, pensar novamente, redizer. Os sentimentos saíam afiados como poesia bonita.

         – “To send or not to send?” – brincavam, os dois, reescrevendo Shakespeare.

         Ali, máscaras eram comuns. Um Baile a Fantasia com sentença sumária pra nudez.       

         Às vezes, ensaiavam o telefone rompendo um limiar que os deixava, talvez incomodamente, fora de qualquer um dos dois mundos.

         Sempre, com cuidado, iam tecendo um relacionamento no mínimo peculiar, considerando o fato de que nunca se haviam encontrado. 

         O sonho, no entanto, passava ao largo da cautela.

         Seja por excesso de sociabilidade, ou talvez por profunda solidão, o fato é que, não importando quão ínfimos fossem os dados “reais”, o menor gesto de agrado era brecha feita para a expectativa, era deixa para a fantasia mostrar a cara de mulher fácil, vadia e debochada que tinha. E numa proporção injusta, as sensações corriam descomedidas, displicentes, como se não houvesse o risco de, a qualquer momento, virem a se perder em seu próprio espaço e desaparecer nas estrelas.

         Às vezes, medo e mãos frias apareciam num ensaio tosco e inútil de algemar. Como calcular verdade, esperança, probabilidade?

         Ela já havia encontrado outras pessoas. Algumas sem tato, algumas sem senso de humor, outras apenas gentis. Cumplicidade de desejo nunca havia traçado rastro.

         Taciturno, abre vento às suas velas. Ela fala e se mostra, só ao sabor, sem se notar, como bando de primaveras que tanto houvesse tardado...

         Ele vinha de terra de longe. Terra afeita a horizontes...  Fazendo bom gosto em ir... ir...  Só dando vastidão ao olho. Lá o vento era Minuano; pássaro, Quero-quero; árvore frondosa, Jequitibá e metro de solo ou leito de rio conquistado, sangue e pele de bisavós. 

         Tinha nome de rei estrangeiro, talvez daí o hábito à pertença... Tinha nome de rei, mas jeito manso de planície...

         Vinha da terra de longe e se apropriava, posseiro, lhe roubando os nortes.

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Máscaras e malabarismos – Rasgando fantasias...        

         Um dia, plagiando o poeta luso, ele tira a máscara que não sabia. Lava as faces, esfrega as mãos e vê, com o coração partido, que se lhe aderiram.

         Ele de amor dividido, dormindo ao lado e errante. Ela de tão disponível querer.

         O real invade, feio, alienígena e non gratus. Há que espantar.

         Tinha tanto pecado bom de pecar inda por vir. 

         Duelam fúria e sanidade.

         Malabarista arraiano, o amor vai ateando, nos dois, fogo ferrenho de mesmo soprar e arder. Desapropriação de corpo e alma sem porteira, cerca, cadeado ou cão de guarda feroz que desse impedição. Revés de gosto cigano que se entrega e sedimenta.  Garimpando pó de ouro, fazendo folha, lingote, virando lavrantes...

         Sessões fechadas, PCs desligados, arrancados os fios, linhas telefônicas banidas e nada! O link permanece lá poderoso como escárnio, roubando-lhes, minuto a minuto do dia, qualquer elementar ensaio de concentração em outra coisa...

         Paixão dadeira que dispensa agrado maior. Molhada e teso andavam pelas ruas atônitos, cabeça virada para qualquer primeiro que passasse, como se fosse ele, como se fosse ela.

         Se ensinam tão bem o que gostam, qual o gosto do real? – anda a mão pelo corpo sabendo ao outro.

         Pioneirismo de imigrantes fronteiriços sequestrados ao futuro.  

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Sábias decisões 

         A cada encontro, põe seu vestido de maior primavera, se encharca de cor, de brilho e de cio, confere, uma a uma, das flores, o viço, e, a cada flor, corre para a janela, aflita com o atraso da lua. Deixa a porta aberta. E a voz dele, de toque puro feita, lhe sobressalta o coração.

         Pata de cavalo chucro pulando cerca. 

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Riachuelo 

(Distrito de Coxilha do Fogo – RS, que não consta no mapa-múndi) 

         Como ela era menos experiente, ele monta atrás. Pega garupa na escusa, toma as rédeas e coloca assim, vestido e melindre de mulher, sob seu governo e dentro de braço firme.

         Pára na beira do rio. Fôlego escapulindo dos três.

         – Vira para mim... põe tua perna aqui... por trás, em volta... isso. Tu tá bem?       

         – Senão tu vai te molhar, guria – sai, talvez de um sorriso, a frase.

         O olho dele não largava o dela enquanto falava.

         Solta, das rédeas, as mãos. O abraço estreita tanto quanto o freio e a brida dão largueza.

         Agora é nele que ela monta.

         Medo de travessia. Medo de rio ligeiro e manso.

         Beira do medo.

         Desfaz o abraço, afasta o corpo e desce as mãos... pescoço... colo... decote de vestido impróprio para qualquer outra cavalgada.

         – Tu tá queimando – sai a voz rouca já misturada no beijo de refrescar. Ali. 

         E na boca, ela saliva de pura inveja.

         Pega da água do arroio que ensaiava curva desbarrancando de leve, levando flor e mato, deixando aqui e ali, em qualquer pedra, um musgo e molha o cabelo, a nuca e desce. 

         Banhava-a ele mesmo com suas mãos e a água alagando a roupa e trazendo flor e cheiro de mato para a pele, desbarrancando de leve medo e mãos frias.

         A mão dele só dizendo para o corpo dela.

         Ele salta, puxa-a que escorre justa entre ele e o bicho. Água, suor de bicho e de homem levantando ainda mais o vestido curto e sem modos.

         – Vira... 

         Presa contra o bicho e ele por trás, dono de todos os comandos, no governo absoluto da hora. Bridão de bagual e anca de mulher. Ela já quase gozando ser presa. Ele tirando mais. 

         Sincronicamente respondendo às preferências e ao seu tempo de fêmea.

 

Jorrava, enfim, do brilho das telas antes frias e brancas do monitor, fogo de lua amarela e imensa...

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FIM de madrugada        

         Tem margem do outro lado ainda sendo olhada. Tem rio para descer ou para subir. Norte, Sul, Sudeste. Horizonte e estrela para ensinar bússola.

         Tem mapa às pampas deitando chão. 

:-) 

         Ela tá exausta e já tá tão tarde. Vira-se para ele e digita:

 

     > E aí, Marvin, continuamos? 

FIM

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