quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Um dia no RJ



Daí, o pobre João, de seus longos 82 anos, caíu no golpe da bala na Rodoviária do Rio.  Quase morreu. Passou tão mal que foi levado às pressas pro hospital mais próximo.
O dia não estava pra João.  Foi atendido por um médico apressado que, sem sequer examiná-lo mandou que esperasse na maca mesmo.
João estava tonto e bastante enjoado.  Deve ter adormecido.  Acordou por conta de uma furiosa dor no joelho esquerdo.  Chamou alto pela enfermeira, pelo médico, por alguém.  O paciente ao lado de sua maca falou à meia-voz:
_ Fica quieto, homem! Tá reclamando de quê?  Estou aqui há uma semana e ainda não operaram meu joelho. Você chegou ontem e já está operado e tudo!
_ Operado???  Operado de quê?  
_ Ué... seu menisco!
João olhou atônito para o joelho, lembrou da bala e saíu berrando pela enfermeira.  Encontrou-a, perguntou pelo Dr. Maurício.
_ Tem Dr. Maurício nenhum aqui não, vovô. Pára de gritar e vai pra recepção que você tá liberado.
E foi falando assim e indo embora pelos corredores atolados de cadeiras, macas e várias tragédias indizíveis.
João estava parvo! Um médico falso???
Saíu aos tombos do Hospital, tinha que ir pra Delegacia.
Foi pro ponto de ônibus. Depois de 40 minutos de espera e dor, o pipoqueiro que passava falou:
_ Ei, vovô! O ponto mudou, não é mais aí, não.  Tem que ir pra Rua da Ajuda, três quadras adiante.
_ Gente, mas a placa diz que é aqui! E eu não sou vô! (João pensou, mas não disse).
_ Ah é... mudaram só o ponto, a placa não.
Cansado demais pra resmungar que fosse, João seguiu se arrastando pelas calçadas, diga-se de passagem, em estado tão precário como o dele; chegou finalmente ao ponto.
Mais 40 minutos de dor e fila e João sobe, com muita dificuldade no ônibus que o levaria à Delegacia mais próxima.
5 minutos depois, 3 caras feias entram no "busão".
João já está muito escolado.  Apavorado com a possibilidade de um arrastão ainda dentro dessas últimas quase 24 horas, toca a campainha e mal consegue saltar enquanto  o ônibus já arranca.  Torce o pé do joelho bom e ouve impropriedades do motorista mal humorado que o culpa por seus 82 anos.
Enfim a Delegacia! João entra.  
Então, por trás de Elisas, Mércias, Joãos Henriques, Isabellas, gritos e lágrimas, ódios, horrores e colarinhos brancos e coloridos, João vê os olhos desacorçoados e aflitos do delegado...
Baixa a cabeça, respira profundamente e dá meia-volta. Sai da delegacia, com a sensação de que afinal, a bala batizada com sonífero; o joelho operado pelo falso médico; o maltrato com as calçadas, sinalizações e com os indivíduos; os assaltantes de dinheiro, de respeito e de cidadania, não eram, infelizmente, o pior dos problemas da vida... Sai com a sensação de ser afinal, um afortunado.

FIM

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